Eu gosto do apito do trem

    Minha cidade (Carazinho/RS) não é das mais privilegiadas em termos de natureza... No que diz respeito a arquitetura não está entre as mais belas... A maioria dos prédios históricos deu lugar, com o passar do tempo, a empreendimentos meramente comerciais e os que resistem heroicamente à demolição não recebem os devidos cuidados...
    Não entendo o descaso de algumas pessoas com o passado... Penso que, se falta beleza natural, nada mais justo do que zelar pelo que nos foi legado... Torço para que um dia, não muito distante, se consiga mudar esta realidade predominante em Carazinho e em tantas outras cidades brasileiras...   
    Minha cidade, em compensação, tem algo bastante peculiar... Cresceu ao longo de um trecho de via férrea - o que os carazinhenses têm o costume de chamar "trilhos do trem". E, até bem pouco tempo, era comum avistar trens de carga cruzando-a de sul a norte... Não cheguei a vivenciar os áureos tempos em que trens, lotados de pessoas, passavam por esta parte do estado (de Santa Maria a Getúlio Vargas). Imagino, entretanto, quão interessantes deviam ser estas viagens... 
    Saudosismo
    Tenho grande fascínio por trens. Este encantamento começou na infância... Um pouco antes de completar dez anos fui morar, com minha família, nas proximidades "dos trilhos do trem". A primeira vez que ouvi um trem de carga se aproximando fiquei bastante assustada... O barulho era ensurdecedor... Com o tempo, contudo, fui me acostumando... Nascia, naquela época, uma grande paixão...
    Perdi a conta de quantas vezes corri, quando criança, até o quintal de casa só para ver o trem passar... Deixava de lado o que estivesse fazendo para ter o privilégio de olhar, bem de pertinho, aquele "gigantesco" meio de transporte com um apito que espalhava fumaça... Quanto mais vagões o trem tivesse mais feliz eu ficava... Imaginava de onde havia partido... Para onde estaria indo... O que estaria levando... 
    Também apreciava, quando criança, fazer passeios solitários pelos trilhos. Era uma atitude arteira que minha mãe não aprovava. Mas eu caminhava, caminhava, caminhava... Os pensamentos de menina sonhadora viajavam... A Aline Brandt de dez anos acreditava que, se caminhasse bastante, chegaria até uma estação de trem e, quem sabe, poderia entrar em um dos vagões... Só que, como o caminho percorrido pelos trens parecia não ter fim, a Aline Brandt de dez anos cansava... Meio decepcionada voltava para casa pensando: "Amanhã farei outro passeio... Irei mais longe... Vou encontrar uma estação de trem, bem movimentada, repleta de homens e mulheres elegantes como era bem comum se ver no cinema."  
    Até hoje não tive o privilégio de fazer uma viagem de trem. Espero, um dia, fazê-la. Será gratificante admirar, através da janela, casas, pessoas, rios, montanhas, animais silvestres, cerração, vilarejos, precipícios... Tudo bem devagarzinho em um ritmo que nada lembre a agitação da atualidade. Viajarei na companhia de meu amor - porque acho viagens de trens bastante românticas... Levarei, nesse passeio, uma máquina fotográfica e uma mala cheia de livros... Para deixar o trajeto mais encantador bastante café e, quem sabe, algumas doses de vinho...
    Trilhos
    Os trilhos que cortam Carazinho são considerados um obstáculo ao desenvolvimento... Dizem que deixam a cidade "feia". Eu sempre achei os trilhos bastante charmosos... Tenho imensa saudade dos tempos em que eram caminho de trens. Conversando com o jornalista Francisco de Campos, dias atrás, ouvi uma agradável sugestão... "Deveriam transformar os trilhos em atração turística... Um bonde transportaria pessoas, de ponta a ponta, pela cidade... Poderia se construir cafés, confeitarias, restaurantes e até hotéis/pousadas ao longo desse trajeto... Fazer paradas estratégicas."
    Esta ideia não é inédita. Quem conhece a serra gaúcha já se deparou com empreendimentos do gênero. Carlos Barbosa, por exemplo, recebe visitantes do mundo todo só por causa do seu trem. Passando por lá, algum tempo atrás, assisti à chegada e partida desse trem. Para você ter uma ideia da organização lhe digo que até cantor italiano é contratado para alegrar as pessoas que chegam as estações. Não fiz ainda o famoso trajeto desse trem. Porém: amigos que já fizeram falam maravilhas. Comida típica... Bebidas saudáveis... Sucos de diferentes frutas... Queijo... Salame... É um passeio para ninguém fazer regime e, sim, colher lembranças para sempre. 
    Carazinho está com tudo aí. Estrada de ferro pronta. Entretanto, ao invés de se pensar em um aproveitamento produtivo, como de Carlos Barbosa, algumas lideranças gastam suas energias na busca de um meio de "retirar esse empecilho do centro da cidade". Empecilho mesmo é pensar tão pequeno. Este é meu ponto de vista. Perdoe-me se você entende diferente. Insisto: os trilhos do trem podem trazer, finalmente, a prosperidade pelos carazinhenses tão almejada. É vital, contudo, que se tenha vontade verdadeira. (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)
    
    
    

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