Estima faz entender e perdoar

    Javier é um advogado bem sucedido. Afinal: com apenas trinta e oito anos acumula verdadeira fortuna em propriedades e investimentos bancários. Deixou a Espanha, com dezesseis anos, na companhia dos pais. e foi, de coração partido e lágrimas nos olhos, para os Estados Unidos...
    Tem, Javier, uma história bem interessante. Em solo norte-americano ele obtém riqueza e fama. Mas sua vida afetiva está longe de ser a idealizada. Mulheres dispostas a receber sua atenção aparecem em abundância. Seus pensamentos, entretanto, insistem em se fixar numa bela espanhola de olhos negros... 
    Javier tem certeza de que o passado, quando não resolvido, pode assombrar o presente. Acredita que, para seguir em frente, precisa desfazer um terrível mal-entendido que afeta seu sono há mais de duas décadas...  
    Vinte e dois anos antes
    Chovia muito naquela tarde de inverno. Javier aguardava, bastante ansioso, embaixo de uma marquise. Ainda não acreditava que, depois de meses de olhares furtivos e discretos cumprimentos, teve coragem de se aproximar da encantadora jovem que passava, todos os dias, em frente à sua casa. Soube que se chamava Maitê e tinha quinze anos... Tomou conhecimento de que o trajeto por ela percorrido, diariamente, levava à casa da avó. "A saúde de minha avó Consuelo é bastante frágil. Eu a ajudo em tudo que posso - inclusive no preparo das refeições."
    Depois da rápida conversa, no portão de sua casa, Javier convidou Maitê para passear. Para sua surpresa ela aceitou. Javier chegou bem antes do horário marcado... A torrencial chuva o pegou desprevenido. Receava que Maitê fosse impelida a ficar em casa naquela tarde chuvosa de inverno. Para sua alegria, no entanto, enxergou-a se aproximando, abrigada em um guarda-chuva vermelho, com um sorriso no rosto. E como estava bonita!
    Após trocarem algumas palavras Javier e Maitê decidiram seguir para uma cafeteria. Percorreram o trajeto, embaixo do guarda-chuva vermelho, abraçados. Na pequena e aconchegante cafeteria Javier soube que seus sentimentos eram correspondidos. "A primeira vez que o vi meu coração bateu mais forte... Você passou a ocupar meus pensamentos... Tinha esperança de que um dia me chamaria para conversar... Por isso passo, diariamente, em frente à sua casa. Existem outros trajetos, bem mais curtos, para a residência da minha avó. Mas a chance de poder vê-lo fez com que eu optasse pelo caminho mais longo."
    Javier e Maitê, jovens descobrindo o amor, passaram a tarde conversando... Ele ficou sabendo que ela gostava de amarelo... Que tomava café com leite... Que ouvia música clássica... Ele descobriu, também, que ela sonhava ser uma pintora famosa. "Acredito que um dia terei telas espalhadas pelo mundo."
   Ela soube que ele desejava ser advogado. "Acho que posso, desta forma, contribuir para que o mundo seja mais justo." Também descobriu que ele era alérgico a frutos do mar e a pelos de cachorro. "Não tenho irmãos. Sonhava, quando pequeno, adotar um cãozinho para me fazer companhia. Este sonho, porém, não se realizou."
    A tarde passou, na opinião dos dois, rapidamente. Javier e Maitê combinaram de se encontrar, uma semana depois, na mesma cafeteria. "Antes disso não terei como vê-lo... Amanhã bem cedo viajarei, com minha família, para o interior. Minha avó deseja passar uns dias no sossego que, na opinião dela, somente o contato com a natureza pode oferecer."
    A despedida entre Javier e Maitê deu-se com um terno beijo. Um beijo que marcou, para sempre, a vida dos dois. Foi o primeiro beijo de ambos. Um beijo singelo... Cheio de ternura. O beijo do primeiro amor. Para Maitê, entretanto, também foi um beijo de decepção. Porque, depois daquele beijo, não tornou a ver o cativante moço.
    Outros rumos
    Quando chegou em casa, no final daquela mágica tarde, Javier soube que sua família partiria, para os Estados Unidos, em três dias. Levou um choque porque não desejava uma mudança tão repentina. O pai, contudo, foi taxativo: "A diretoria da empresa antecipou nossa viagem. A filial dos Estados Unidos não respondeu, positivamente, aos investimentos recentes. Assumo a gerência na próxima segunda-feira." 
    Javier tentou argumentar. Implorou por mais uns dias na Espanha. "Vão sem mim. Prometo que, na quarta-feira à noite, embarco. Antes não posso. Tenho assuntos pendentes a resolver." Falou de Maitê. Disse que havia prometido encontrá-la. Contou que, apesar de passar a tarde em sua companhia, não sabia onde morava e, tampouco, quem eram seus familiares. Os seus pais, no entanto, foram irredutíveis... "Não ficará sozinho em Barcelona. Viajará conosco."
    Javier passou os dois dias que lhe restavam na Espanha em uma busca frenética de pistas que o levassem a Maitê. Queria explicar-lhe que a mudança, para os Estados Unidos, não lhe agradava. Que jamais pensara em abandoná-la. Que ela estaria sempre em seus pensamentos. Chegou a escrever uma carta que guarda até hoje no meio de um livro. Isto porque não sabia para onde remetê-la. Javier partiu para os Estados Unidos com lágrimas nos olhos e o coração em pedaços. Sentia-se culpado por não ter avisado Maitê de seu paradeiro. E este sentimento de culpa permanece no seu íntimo até hoje...
    Depois de quinze anos de residência nos Estados Unidos Javier voltou a ver Maitê. Folheava uma revista, despreocupadamente, quando a fotografia de uma tela chamou sua atenção. O artista havia pintado uma moça, com lágrimas nos olhos, embaixo de um guarda-chuva vermelho. "A obra é intitulada Dias de chuva e solidão" - dizia a legenda.
    A imagem da tela fez com que Javier lesse a longa reportagem. Soube, através das páginas da revista, que Maitê havia realizado seu sonho. Era uma pintora de renome na Europa. E, agora, suas telas estavam sendo expostas também na América do Norte. Tomou conhecimento que Maitê havia se casado, dois anos antes, com um empresário russo. Ela aparecia, em uma fotografia, no final da matéria. "Mais bela do que me lembrava" - pensou Javier.
    Reencontro
    Os anos foram passando... Javier acompanhava a vida de Maitê através de jornais e revistas. Já tinha presenciado algumas de suas exposições. Faltava, contudo, coragem para aproximar-se. "Maitê está casada e, acredito, feliz... Não posso aparecer assim - de uma hora para outra - e causar-lhe aborrecimentos com questões do passado" - tentava se convencer Javier.
    Foi também através de revistas e jornais que Javier soube da separação de Maitê. "Acho que chegou a hora de me explicar. Preciso desfazer este mal-entendido. Somente assim poderei planejar meu futuro e, quem sabe, se não for perdoado, entregar meu coração a outra mulher" - decidiu Javier.
    Javier partiu, alguns dias depois, para a Espanha. Sabia que Maitê ainda morava em Barcelona. Também era de seu conhecimento que ela tinha uma galeria de arte. Acreditava que, desta vez, conseguiria encontrá-la sem grandes dificuldades.
    Depois de dois dias em Barcelona Javier descobriu, com facilidade, o endereço da galeria de Maitê. Faltava, contudo, coragem para procurá-la... "E se Maitê não quiser ouvir minhas explicações?" - questionava-se Javier.
    Maitê estava pintando, numa sala aos fundos da galeria, quando ouviu o barulho do sino, que ficava na porta, anunciando a chegada de alguém. Ergueu os olhos e achou que estivesse com algum tipo de alucinação... O homem que se aproximava parecia - e muito - com um jovem que lhe causara, mais de duas décadas atrás, profundo sofrimento. Javier estava muito mais belo do que na adolescência. "Os anos tinham lhe feito muito bem".
    Javier se aproximou de Maitê com o coração acelerado. Percebeu, em seu rosto, um misto de surpresa e decepção. Não ficou muito otimista diante desse quadro. Mesmo assim precisava se explicar. A necessidade de falar que jamais desejou magoá-la apertava o peito... "Maitê tem que saber que eu a procurei, muitas vezes, para falar da repentina mudança de país... Que a amei... Sim. Que a amei mais do que jamais sonhei amar alguém nesta vida" - refletiu Javier e, com este pensamento, foi ao encontro de Maitê. 
    Javier e Maitê conversaram. Ele contou tudo o que aconteceu naquele final de tarde de inverno... Disse que tentou encontrá-la. Que queria, ao menos, deixar-lhe a carta que havia escrito e guardado por longo tempo. "Trouxe a carta para lhe mostrar. Acredito que, assim, compreenderá o meu desespero. Peço que me perdoe. Parti, para os Estados Unidos, com o coração em pedaços. E sei que lhe deixei na mesma situação" - falou Javier.
    As folhas de caderno, onde escreveu sua carta para a amada, já estavam amarelas... As letras um pouco apagadas... Maitê teve certeza, já no momento em que começou a ler a carta, que Javier, mesmo jovem, não teve intenção de magoá-la.
    "Estou partindo porque sou obrigado... E tentei, juro que tentei, desesperadamente encontrá-la... Queria que soubesse que a amo... Que estará sempre em meus pensamentos" - dizia um dos trechos da longa carta. As feridas, que faziam o coração de Maitê sangrar desde a partida do seu inesquecível amor, começaram, então, a cicatrizar. O passado já não importa. Agora é preciso pensar no futuro e, principalmente, viver o presente.
    Javier e Maitê, depois desta conversa, tornaram-se próximos. Não começaram, de imediato, uma nova relação. Com o tempo, porém, concluíram que a paixão e a extrema estima, outrora cultivadas, não tinham se extinguido. Não conseguiram fugir, então, da imposição natural de experimentar o que lhes fora negado no passado. Não sabem, ainda, se ficarão juntos até o final de suas vidas... Se serão "felizes para sempre" - como nos contos de fadas. Os dois têm certeza, no entanto, que precisam viver o presente (cheio de possibilidades e de alegrias). E estão aproveitando o presente da melhor forma possível... (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

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