O amor na rota da promessa - parte 2

    Tarso não conseguira dormir... Passara a noite perambulando pelo apartamento. A bela vista que tinha da cidade não fora suficiente para impedi-lo de pensar, de forma constante, em Laura e na promessa feita a Marcos. "Talvez eu esteja misturando meus sentimentos. Fiquei bastante abalado com a morte de Marcos... Com a promessa que fiz... Acho que esta é a explicação para o aperto no peito que passei a sentir ao me deparar com Laura no hospital..."
    A noite insone não foi desculpa para Tarso adiar compromissos. Ele saiu da cama bem cedo e, após conferir a agenda, constatou que o primeiro paciente chegaria ao consultório perto das 9 horas. "Posso ainda dar uma passadinha no hospital... Aproveitarei para verificar como Laura está."
    Depois de conversar com os pacientes internados, na ala de oncologia, Tarso dirigiu-se ao quarto 301. Percebeu que Laura estava acordada. Olhar perdido no horizonte. O café da manhã intacto sobre a mesa.
    - Oi Laura... Como você está? - perguntou Tarso.
    - Não sei lhe dizer. Estou sentindo um vazio enorme. Não tenho vontade de comer... Tampouco de sair desta cama - falou, com lágrimas nos olhos, Laura.
    - Gostaria de conversar? Tenho algum tempo livre antes de ir para o consultório. Pode dizer o que quiser. Talvez, assim, se sinta um pouco melhor - sugeriu Tarso.
    Depois de alguns minutos de hesitação Laura resolveu expor algumas lembranças. A gentileza que enxergou em Tarso foi fundamental para que conseguisse abrir seu coração...
    - A morte de Marcos me dá a sensação de que estou sozinha neste mundo. Marcos era meu porto seguro. Meu amigo. Meu amor. Esteve ao meu lado desde a adolescência. Vivemos juntos uma série de conquistas. Superamos dificuldades. E muitos momentos ele enxugou minhas lágrimas. E gora não está mais aqui...
    Laura, aos prantos, tomou um pouco do suco de laranja - até então intocado - e prosseguiu...
    - Marcos não conheceu os pais... Passou a infância e a adolescência em um orfanato. Mas sempre foi uma pessoa esforçada. Aos dezoito anos conseguiu emprego em uma incorporadora. Estudou de maneira dedicada e, com crédito educativo, fez a faculdade de engenharia. Vibrava muito com os primeiros frutos de seus esforços... Você sabe por que Marcos estava, de madrugada, andando de bicicleta? Ele treinava para participar de competições... Todos os prêmios em dinheiro que ganhava destinava ao orfanato onde vivera por longos anos. Marcos era um homem bom... O melhor homem que conheci. Ajudou-me, mesmo cheio de incertezas, a superar momentos difíceis... Incentivou-me a correr atrás de meus sonhos. Fiz faculdade. Sou assistente social. Trabalho no orfanato onde Marcos cresceu. Acho que não terei coragem para retornar àquele ambiente. A saudade, lá, certamente será bem mais penosa.
    - Laura... Acho que o Marcos gostaria que você lutasse... Que você batalhasse para concretizar os seus sonhos... - ressaltou Tarso.
    - Marcos e eu somos de origem humilde. Para nós as coisas sempre foram difíceis. Não me conformo que, justamente quando vislumbrava crescimento na profissão, ele tenha falecido de forma tão absurda... Íamos nos casar... Teríamos filhos - para amarmos e educarmos... Nós tínhamos muitos planos... - confidenciou Laura.
    Tarso, mais uma vez sensibilizado com a fragilidade de Laura, foi impulsionado a lhe dar um abraço. Sentiu, então, o calor daquele corpo feminino. Foi um abraço diferente daqueles que costumava dar aos seus pacientes. Ele experimentou um prazer enorme.
    - Sabe que tem, em mim, um amigo. Prometi ao Marcos que lhe cuidaria. Vou fazer o que estiver ao meu alcance para você voltar a sorrir. Agora, contudo, preciso ir ao consultório. Tenho um dia cheio. Volto, no final da tarde, para ver como você está - disse Tarso.
    Laura deixou-se confortar por Tarso... Aceitou o abraço e as palavras de carinho. Tomou uma decisão... Não continuaria naquela cama. Falaria com seu médico e pediria alta. "Muitas providências precisam ser tomadas" - pensou.
    Compromissos
    Tarso passou a manhã inteira no consultório. Havia marcado almoço com Bento, às 12h30min, em um restaurante no centro da cidade. Ao chegar constatou que Bento estava muito abatido. Parecia também ter passado a noite em claro...
    - Como está meu amigo? - perguntou Tarso.
    - Nada bem. Desmarquei todos os compromissos da semana. Nada de pacientes. Nada de eventos sociais. Conversei hoje cedo com o meu advogado Eduardo. Falou-me que, provavelmente, além da multa que paguei, terei que prestar serviço comunitário - por estar dirigindo sob efeito de álcool. Mas, com certeza, o peso de consciência, por ter contribuído para a morte do jovem Marcos, será a maior pena que cumprirei - queixou-se Bento.
    - Bento meu amigo... Você não teve a intenção de atropelar o jovem Marcos. Foi uma fatalidade. Você está cumprindo as suas obrigações perante a justiça. E sabe que pode contar comigo sempre - destacou Tarso.
    - Você teve notícias de Carlos e Amália? Sabe se fizeram uma viagem tranquila? - perguntou Bento
    - Vi postagens da Amália em uma rede social. Eles estão bem. Aproveitam plenamente a lua-de-mel no Caribe - respondeu Tarso.
    - Alegra-me saber que estão bem. Carlos e Amália merecem desfrutar, com tranquilidade, desta planejada viagem - colocou Bento.
    O almoço durou mais ou menos uma hora. Tarso sentia-se na obrigação de confortar o amigo de longa data. Depois da conversa teve a impressão de que Bento estava um pouco mais tranquilo.
    - É hora de voltar ao consultório... Se precisar pode me ligar. Farei o que estiver ao meu alcance para lhe ajudar neste momento difícil - falou Tarso ao se despedir.
    Desencontros
    Tarso chegou ao hospital depois das 18 horas. Foi direto para a ala de oncologia. Conversou com os pacientes... Prescreveu medicamentos. Só concluiu seus compromissos às 20 horas. Depois de tomar um café foi até o quarto 301. Precisava ver Laura antes de voltar para casa.
    No quarto Tarso foi surpreendido. A cama estava arrumada. Nem sinal de Laura. Tarso, com pensamentos meio tumultuados, foi à enfermaria. "Preciso saber o que aconteceu. Susana poderá me ajudar."
    - Boa noite Susana. Saberia me dizer onde está a Laura? Fui até o quarto dela e não a encontrei... - colocou Tarso.
    - Ela recebeu alta no início da noite. Laura suplicou e o Miguel resolveu deixá-la ir para casa. Saiu daqui por volta das 19 horas. Um casal de amigos veio buscá-la - respondeu Susana.
    - Querida amiga. Eu preciso de um favor. Suplico-lhe que me consiga o endereço de Laura. Eu não posso deixá-la sozinha... Eu prometi protegê-la... - explicou Tarso.
    - Tarso... Você sabe que este tipo de informação é confidencial. Laura é paciente do Miguel. Farei, contudo, o que me pede. Amanhã irei até a secretária... Farei tudo para conseguir o endereço de Laura. Só terei, porém, esta informação após às 16 horas. Antes disso tenho alguns compromissos particulares. É meu dia de folga - informou Susana.
    Tarso foi para casa com um aperto no peito. Achou que não dormiria. O cansaço, de duas noites insones, contudo, lhe fez dormir profundamente. Tarso acordou cedo. Cumpriu todos os compromissos da agenda e, às 16h30min, telefonou para Susana.
    - Boa tarde amiga querida... Conseguiu o endereço de Laura?
    - Claro que sim. Não costumo desapontar meus amigos - brincou Susana.
    Tarso anotou o endereço de Laura. Resolveu que, depois dos compromissos no hospital, iria em direção ao bairro onde ela residia. O contato com os pacientes lhe exigiu mais de duas horas. Mesmo assim a procura da residência da jovem não foi protelada. O endereço foi localizado com facilidade. Tarso tocou a campainha diversas vezes. Não obteve resposta. Concluiu que esperar, em frente ao prédio, era recomendável. "Laura pode ter saído para jantar. Ela vai voltar."
    Depois de mais de meia hora de espera um senhor saiu do prédio. Tarso foi com ele conversar...
    - O senhor mora neste prédio? Poderia me informar se a moça, que reside no apartamento 202, costuma chegar muito tarde? Sou médico e amigo dela. Gostaria de saber como está... - revelou Tarso.
    - Sou síndico do prédio doutor. A Laura não voltará. Ela veio aqui, hoje, com um casal de amigos. Retirou seus pertences do apartamento. Despediu-se de vizinhos. Falou não ser possível morar aqui em razão da saudade que sente de Marcos. Mesmo com dois meses de aluguel pagos preferiu buscar outro lugar para viver - respondeu o senhor.
    Tarso despediu-se, a tristeza lhe apertando o peito, do gentil cidadão. Não sabia o que fazer. "Onde Laura estará? Como, nesta cidade imensa, poderei encontrá-la? Eu prometi que tomaria conta dela... E, além da promessa, tenho sentimentos por ela... Como esquecer esta moça que, com apenas um olhar, fez meu coração bater descompassado? Laura... Laura... Por que me deixar assim sem saída?"
    Tarso, apesar da aflição, manteve a sua rotina... Médico exemplar primava pelo atendimento dos pacientes. Trabalhar era uma forma de alívio à tristeza que sentia. Ele então trabalhou... Trabalhou e esperou... Esperou... Tinha uma alentadora convicção: um dia o destino devolverá Laura aos meus braços...

    Nota da autora: Eu lhe prometi um romance delicioso e emocionante. Você o terá. Estamos ainda na parte trágica. Mas muitas alegrias estão por vir. Sou grata a sua atenção. Você, caro leitor, é quem faz a minha inspiração. Em breve "O amor na rota da promessa" - parte 3. (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

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