O amor na rota da promessa

    A festa de casamento de Carlos e Amália estava bastante animada. A cerimônia religiosa, na catedral de pedra, no centro da cidade, levara muitas pessoas às lágrimas. Já a recepção, na sede campestre da Associação de Médicos, merecia, dos jornalistas presentes, registro como um dos eventos mais requintados do ano.
    - Ainda não acredito que o Carlos se casou. Só a Amália, com paciência e persistência, para conseguir uma façanha destas - comentou Bento.
    - Verdade. Carlos se dizia um "solteiro por convicção". Mas acho que já estava na hora. Ele é bem-sucedido. E, tenho certeza, soube aproveitar o tempo que teve de homem descompromissado - falou Tarso.
    - Percebi que você não está aproveitando os maravilhosos drinques desta festa... Na hora do brinde nem tocou na taça de champanhe... Não está gostando da festa amigo Tarso? - perguntou Bento.
    - Preciso dirigir depois que sair daqui... Não disponho de alguém que possa assumir a direção do meu carro... E sabemos que álcool e direção não combinam - explicou Tarso.
    - Também estou de motorista. Hoje, entretanto, resolvi fazer uma exceção. Não é todo o dia que o nosso amigo Carlos se casa. Serei cuidadoso na volta - prometeu Bento com um sorriso no rosto.
    A festa seguiu, animadíssima, até a madrugada. Bento, mesmo apreciando os drinques, foi um dos primeiros a se despedir dos noivos e deixar o salão. Tarso, sentindo-se um pouco deslocado sem a presença do amigo de longa data, resolveu ir embora logo em seguida. "É melhor ir para casa. Amanhã será um longo dia. Almoço em família, para mim, é mais difícil do que vinte e quatro horas de plantão" - falou, aos noivos, depois dos votos de felicidade.
    Caminhos que se cruzam
    Tarso conduzia sua Mercedes, tranquilamente, quando percebeu uma agitação na pista. "Um acidente... Vou ver se posso ser, de alguma forma, útil". Desceu do carro - com a maleta em mãos - e reconheceu a Ferrari de Bento entre os veículos envolvidos. Foi tomado por um pressentimento nada agradável. "Espero que o Bento esteja bem."
    Chegando mais perto da confusão Tarso enxergou Bento, aparentemente em choque, falando ao telefone. Gritava, com lágrimas nos olhos, para que o socorro não tardasse. Quando viu Tarso a sua frente largou o telefone e, aos prantos, falou do que estava acontecendo... "Meu amigo... Tinha um ciclista na pista... No sentido contrário vinham dois carros... Um deles fez ultrapassagem indevida... Para não bater de frente puxei a direção... Eu tentei... Juro que tentei... Eu não consegui, porém, desviar do ciclista... Suplico-lhe que verifique se consegue fazer algo em socorro do rapaz. Meu Deus... Que quadro caótico eu criei!"
    Tarso, correndo, seguiu em direção à bicicleta totalmente destruída... Percebeu que o jovem condutor ainda respirava. Seu estado, infelizmente, era grave. "Provavelmente está com hemorragia interna... Com alguns órgãos bastante prejudicados. Vou tentar estabilizá-lo até a chegada da ambulância" - pensou Tarso. Quando se aproximou o ciclista abriu os olhos. "Fique calmo rapaz. Sou médico. Vamos sair desta" - disse Tarso.
   O jovem, contudo, fez um esforço imenso e falou... "Sei que não tenho muito tempo. Vou lhe pedir uma coisa... Prometa-me que cuidará da minha Laura... Ela ficará desolada sem a minha presença... Prometa-me e partirei em paz."
    Tarso, na tentativa de deixar o jovem mais calmo, prometeu: "Cuidarei da Laura enquanto você estiver no hospital. Depois de recuperado você mesmo poderá cuidar dela."
    O jovem ciclista, porém, sequer ouviu as últimas palavras de Tarso. Sua vida tinha sido ceifada, de forma trágica, em uma noite que podia ser de grande alegria...
    Tarso não conseguiu dormir... Mesmo com mais de dez anos de profissão ainda se sentia deprimido quando não conseguia salvar uma vida. O que mais o atormentava, contudo, era a promessa feita ao ciclista atropelado... Descobriu, no hospital, que o jovem se chamava Marcos... Era um promissor engenheiro... Laura era a sua noiva. "Eles se conhecem desde o ensino médio. Laura perdeu os pais quando criança. Foi criada pelos avós maternos. Depois que seus avós faleceram somente pôde contar com Marcos. Eles pretendiam se casar no próximo mês" - confidenciou-lhe um amigo de Marcos.
    Tarso também estava preocupado com Bento... "Bento estava alcoolizado. Não fora responsável, diretamente, pelo acidente. Responderá, mesmo assim, judicialmente" - observou Eduardo (jovem advogado chamado para acompanhar Bento).
    Laura    
    O almoço na casa dos pais foi, para Tarso, um teste de paciência... Além de ouvir as reclamações do pai - por não ter seguido a carreira de cirurgião plástico - obrigava-se a inventar desculpas, à mãe, por ainda não ter constituído uma família...
    - Meu filho... Você já está beirando os quarenta anos... E eu já passei dos sessenta. Será que não terei o privilégio de conhecer meus netos? - questionava, toda vez que o via, a sua mãe.
    A resposta de Tarso, para essa pergunta, era sempre a mesma: "Ainda não encontrei a mulher da minha vida... A que fará meu coração bater mais forte... Acredito no amor... Tenho certeza de que encontrarei uma mulher por quem farei tudo... Uma mulher que desejarei ter, ao meu lado, em todos os momentos."
    Depois do estafante almoço com a família Tarso foi ao hospital. Precisava dar uma olhada em alguns pacientes internados no setor de oncologia. "Se a nossa princesa Maria continuar respondendo tão bem ao tratamento acredito que, antes do dia das mães, poderá ir para casa" - comentou Tarso diante de olhares ansiosos dos pais da pequena Maria.
    Depois de visitar seus pacientes Tarso resolveu tomar um café. Encontrou, no restaurante do hospital, sua grande amiga Susana. A mulher tem cinquenta anos e é enfermeira-chefe do hospital. Tarso a conhece há mais de dez anos.
    - Posso lhe fazer companhia? - perguntou Tarso.
    - Você sabe que sim. É sempre bom trocar ideias com você meu querido amigo... Como está o Bento? - falou Susana.
    - Está chocado... Passei na casa dele hoje cedo. Bento se culpa por ter bebido numa noite em que precisava dirigir. Acha que, sem o álcool, talvez tivesse conseguido evitar o acidente. Concordo. O culpado de fato, entretanto, é o motorista inconsequente que fez a ultrapassagem indevida - colocou Tarso.
    - A noiva do jovem falecido está internada aqui no hospital. Chegou no final da tarde. Sentiu-se mal ao acompanhar o enterro e foi então trazida para cá. Ela está sedada. Ainda deve dormir um pouco. Se você quiser conhecê-la pode dar uma passada no quarto 301 - sugeriu Susana sabendo da promessa feita, por Tarso, na madrugada do acidente.
    - Vou vê-la sim... Prometi tomar conta dela. E, no que estiver ao meu alcance como médico, farei o possível para tornar este momento o menos penoso possível - comentou Tarso.
    Depois de alguns minutos de conversa Susana precisou voltar ao trabalho. Tarso ficou, mais um pouco, no restaurante. Aproveitou o momento de solidão para refletir sobre a vida. Depois seguiu em direção ao quarto 301.
     Ao chegar percebeu que Laura estava dormindo. Aproximou-se, da cama, bem devagar. Não tinha a intenção de acordá-la. Nesse momento, porém, Laura abriu os olhos. Quando seus olhos se cruzaram Tarso sentiu que o mundo nunca mais seria como conhecera até ali... Seu coração ficou acelerado... Foi tomado por uma sensação jamais experimentada. "É ela... A mulher que passei minha vida procurando."
    Tarso só foi despertado, de seus devaneios, pelo pranto de Laura. As lágrimas corriam, insistentemente, pelo rosto da bela jovem. Sem saber o que fazer, diante daquele sofrimento, tentou confortá-la com um abraço.
    - "Marcos era tudo o que eu tinha... Não sei o farei sem ele... Ficarei isolada neste mundo. A vida acabou" - previu pesarosamente a jovem Laura.
    - Laura... Eu sou Tarso... Ontem, logo depois do acidente, prometi, a pedido de Marcos, ajudar-lhe no que for necessário. E sou de cumprir minhas promessas. Tem aqui um amigo. Agora lhe recomendo descanso. Vou chamar uma enfermeira para lhe dar um calmante. Amanhã venho vê-la e poderemos conversar melhor.
    Tarso ficou no quarto até Laura voltar a dormir. Não mais falou. Só observou. Laura, a moça de pele morena e olhos verdes, arrebatara seu coração. Parecia frágil deitada naquela cama. "Que peça o destino resolveu me pregar? Esta moça, que sofre a perda do seu grande amor, por que me impressiona tanto? O que farei?" - pensou Tarso.
    Antes de ir para casa Tarso resolveu passear pelo parque. As folhas das árvores tomavam conta da calçada - em um festival de cores. "Preciso colocar os pensamentos em ordem. Vou ajudá-la a superar este momento difícil. Prometi que faria isso. Só que não sei como agir. Ela mexeu com meus sentimentos."
    Depois de quase uma hora de perambulação Tarso foi para casa. Na cabeça um turbilhão de pensamentos. No peito a necessidade de voltar correndo ao hospital e zelar pelo bem-estar daquela que, com um simples olhar, o estava cativando de forma irremediável. 
    
    Observação da autora - Esta história terá continuidade. Ainda não sei quantos serão os capítulos. Peço-lhe que, junto comigo, acompanhe este que promete ser um romance delicioso e emocionante. (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

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