O cartãozinho de Nina

    Antônio sentia-se deprimido. Não gostava, nem um pouco, desta época do ano. As festividades de natal eram responsáveis por fazê-lo recordar momentos que desejava, do fundo do coração, esquecer...
    Naquele dia quente de verão Antônio resolveu passear pelo parque. Os colegas de trabalho estavam reunidos para comemorar o natal que se aproximava. Trocariam presentes... Contariam histórias de família. Antônio, como de costume, encontrou uma desculpa para não participar da festa. Era um profissional exemplar... Prestativo e bastante comunicativo. Mas nesta época do ano preferia o isolamento... Os colegas estavam acostumados com este comportamento introspectivo às vésperas do final de ano... E, muito tempo atrás, já haviam desistido de fazê-lo participar dos festejos.
    Nina
   Antônio sentou-se em um banco para observar crianças que brincavam no parquinho. Estava perdido em pensamentos quando foi abordado por uma menina... Ela não tinha mais do que dez anos... 
    - Olá... Meu nome é Nina. E você como se chama?
    - Eu sou o Antônio. Onde estão seus pais?
   - Não conheço meu pai. Minha mãe encontra-se em um banco do outro lado do parquinho. Ela está nos observando.
    - Nina... Sua mãe nunca que lhe disse que não se deve falar com estranhos?
    - É claro que sim... Só que nós já não somos mais desconhecidos. Eu sei o seu nome. E você sabe o meu. Eu percebi, enquanto brincava, sua tristeza. Achei que poderia ajudá-lo a ficar feliz. Quem fica triste às vésperas do natal?
    As palavras de Nina fizeram Antônio pensar... E, mesmo sem querer, lembrou-se do menino que um dia fora...
    O menino Antônio
    Antônio tinha doze anos em 1981. Escreveu, como fazia desde bem pequenino, uma cartinha para o Papai Noel. Adotara este costume a partir do que lhe dissera sua mãe: se fosse um menino comportado seus desejos seriam atendidos. E, por mais um ano, seu comportamento havia sido impecável... Só que, a exemplo dos natais passados, seu pedido não estava sendo atendido. "Papai Noel não existe. Tenho certeza. Pedi algo tão simples. Se existisse haveria de ter satisfeito este meu pequeno desejo. Não quero mais saber de natal."
    Antônio nasceu em uma família de classe média. Tinha quase tudo o que desejava. Faltava-lhe, contudo, a atenção do pai. Joaquim, pai de Antônio, fora um homem muito carinhoso. Só que, depois que sua empresa faliu em razão de uma grave crise econômica, deixou-se consumir pelo vício em jogos e bebida. Sua mulher, Clara, não pôde se abater. Com trabalho e dedicação precisava pagar as contas e alimentar os filhos.
    Antônio, sabendo dos sacrifícios de Clara, pedia, nas cartinhas que escrevia ao Papai Noel, que sua família se reintegrasse... Que seu pai deixasse de jogar e beber. Que fosse aliviado o fardo que sua mãe carregava. Só que este desejo jamais foi atendido...
    Joaquim morreu, em razão de problemas ocasionados pela bebida, às vésperas do natal de 1981. Já havia perdido, em noites de jogatina, todas as economias da família. E assim Antônio deixou de acreditar em Papai Noel... Deixou de apreciar o natal.
    O cartão
    - Desculpe Nina... Acho que acabei me distraindo. Conte-me, então, o que a faz crer que natal é tempo de felicidade... Acredita em Papai Noel?
    - É claro que acredito!!! Não naquele senhor de barba branca. Acredito, porém, em bons sentimentos. Acho que no natal florescem os bons sentimentos. As pessoas ficam mais dispostas a ajudar. Mas eu gostaria que estes bons sentimentos florescessem todos os dias.
    - Já sabe o que ganhará de presente?
    - Eu havia pedido uma bicicleta... Gosto de passear pelo parque. Neste ano, novamente, não será possível concretizar este meu sonho. Estive doente. Minha mãe gastou suas economias com meu tratamento. Será mais um ano sem bicicleta. O mais importante, contudo, é que estou bem de saúde... Que tenho o amor da minha mãe.
    - E o seu pai? Não tem vontade de conhecê-lo?
    - Não... Meu pai sumiu no mundo quando eu era apenas um bebê. Nem por isso me considero desafortunada. Sou grata a tudo que tenho. Existem dezenas de pessoas em situação bem mais difícil. Agora preciso ir. Só que antes gostaria de lhe dar um presente.
    Nina retirou, do bolso do vestido, um cartãozinho...
    - Costumo fazer cartões de natal. Distribuo entre amigos e conhecidos. Espero que este pequeno gesto de amizade lhe faça se sentir melhor.
    Antônio aceitou o pequeno papel colorido com um sorriso. Observou, antes de ler o seu conteúdo, Nina correr ao encontro da mãe. Nunca mais a viu. Não sabe se ela chegou a ganhar a tão desejada bicicleta. E dez anos já se passaram desde aquela inusitada conversa...
    Antônio guarda o cartãozinho de Nina com a valorização de uma relíquia. Todos os anos, ao ler a mensagem ali escrita, lágrimas correm por suas faces. Ele se sente feliz... Feliz por tudo que tem... Feliz pelo fato de poder fazer a diferença... Feliz por ter construído, ao lado de sua mulher, Isabel, uma bonita família.
    O presente de Nina
    "A vida é um presente. Agradeça... Aproveite. Não fique lamentando pelo que passou. Viva este presente que Deus lhe concedeu. E, se não estiver satisfeito, seja a diferença que espera ver no mundo. Desejo a você, meu amigo, que o natal seja o início de uma etapa de muitas alegrias. Basta acreditar - e fazer por merecer."



(Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

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